segunda-feira, fevereiro 27, 2006

O alicerce da reação americana






Depois de anos mergulhado em uma aparentemente irreversível decadência, o tradicional América do Rio de Janeiro parece ensaiar um ressurgimento das cinzas. Foi vice-campeão da Taça Guanabara, perdendo o título para o Botafogo, e agora, com duas vitórias em duas partidas, mostra que vai brigar também pelo título da Taça Rio, para depois, quem sabe, terminar enfim com um jejum de títulos estaduais que já dura longos 46 anos.

O início desta reação pode ser creditado, em boa parte, a um homem: Jorge Amorim de Oliveira Campos, ou simplesmente, Jorginho.

Nascido no Rio de Janeiro em 17/08/1964, o lateral-direito Jorginho foi um dos jogadores mais vitoriosos de sua época. E tudo começou no próprio América, que defendeu desde as categorias de base. Desde muito cedo se destacou, sendo convocado para as seleções brasileiras inferiores. E foi ali que conquistou seu primeiro grande título, o então inédito mundial de juniores (atual mundial sub-20) vencido em 1983, no México, em uma final disputadíssima contra a Argentina (vitória de 1 x 0, gol de pênalti do meia vascaíno Geovani).

Ao retornar, começou a ter maiores chances na equipe principal do América, onde disputava posição com Donato (que anos depois, fixado na zaga, teve passagens por Vasco e La Coruña, naturalizando-se espanhol e atuando pela seleção daquele país). Eventualmente, também atuava deslocado pela lateral-esquerda. Logo se destacou mostrando um futebol marcado por uma excelente técnica, avanços seguros ao ataque, excelentes cruzamentos e eficiência também na marcação. Para ajudar ainda mais, o América tinha uma excelente equipe, tanto que cedeu quatro jogadores (Aírton, Pires, Moreno e o próprio Jorginho) à seleção brasileira que disputou o Pan-Americano daquele mesmo ano na Venezuela. Jorginho retornou com o acréscimo da medalha de prata a seu currículo.

No ano seguinte, disputou também o Pré-Olímpico, no qual conquistou mais uma taça. Contudo, ficou fora dos Jogos de Los Angeles, em que a seleção, devido a divergências com os clubes por causa da liberação dos jogadores, se fez representar quase que integralmente pelo Internacional de Porto Alegre. Em meados daquele ano, Jorginho foi negociado com o Flamengo.

Logo assumiu a condição de titular da equipe. Sua contratação permitiu, inclusive, o deslocamento do então lateral Leandro, titular da seleção na Copa de 1982, para a zaga central. Tal opção se fazia necessária devido às condições físicas do antigo camisa 2 da Gávea, que sofria do chamado "Mal de Cowboy" (pernas exageradamente arqueadas), o que comprometia os joelhos e impossibilitava os constantes avanços ao ataque. Na mesma época, Jorginho tornou-se evangélico e entrou para o grupo dos Atletas de Cristo (fundado pelo ex-goleiro do Atlético-MG João Leite e pelo ex-piloto Alex Dias Ribeiro), dos quais sempre foi um dos maiores representantes, sendo inclusive seu atual presidente.

Ficou fora da Copa de 1986, no México, mas seu futebol logo o tornou uma presença constante na seleção. Foi convocado para mais um torneio pré-olímpico, em 1987, no qual conquistou mais um caneco. Ainda ganhou o estadual de 1986 e a polêmica Copa União, em 1987, com o Flamengo. Em 1988, conquistou a medalha de prata olímpica, integrando uma bela seleção que ainda contava com craques como Taffarel, Romário e Bebeto, todos símbolos de uma geração extremamente vitoriosa nos anos seguintes.

Assumiu definitivamente a camisa 2 da seleção principal, pela qual conquistou a Copa América de 1989. No mesmo ano, deu adeus ao Flamengo, negociado com o Bayer Leverkusen da Alemanha. Conseguiu adaptar-se rapidamente ao duro futebol germânico, tornando-se um ídolo local. Mas sofreu um abalo com a péssima campanha da seleção comandada por Sebastião Lazaroni no Mundial de 1990, na Itália, que culminou com uma prematura eliminação pela Argentina nas oitavas-de-final.

Após aquela Copa, os jogadores ditos "estrangeiros" passaram a ser alvo da fúria do torcedor e mesmo da imprensa esportiva. Eram acusados de desmotivação, de ganharem salários altíssimos e comportarem-se de forma indolente ao servir á seleção brasileira. Jorginho foi um dos que pagou pela generalização, ficando mais de dois anos afastado das convocações. Na Copa América de 1991, no Chile, Paulo Roberto Falcão, que iniciava sua carreira de treinador justamente no comando da seleção, substituindo Lazaroni, preferiu apostar no novato são-paulino Cafu e em Mazinho, um dos poucos a sair da Copa de 1990 sem arranhões.

Jorginho voltou a ser convocado com a chegada de Carlos Alberto Parreira. E logo reassumiu seu posto de titular. Em 1992, trocou de camisa na Alemanha, saindo do modesto Leverkusen para ingressar no poderoso Bayern Munique. Na Bavária, conquistou enfim seu primeiro título em campos europeus, o alemão de 1993/94. E seu prestígio no futebol europeu só crescia. No Brasil, contudo, parte da opinião pública, notadamente a paulista, defendia que Cafu deveria assumir a camisa 2 para o Mundial dos Estados Unidos, em 1994.

Parreira, bem ao seu estilo, manteve-se inflexível. Ao menos neste caso, agiu com correção. Embora Cafu fosse um atleta de maior vigor físico e velocidade, Jorginho tinha maior domínio da posição, e a seleção não poderia prescindir de sua categoria e experiência. No Mundial, foi um dos destaques da equipe, apoiando com precisão e efetuando preciosos cruzamentos, inclusive
o que originou o gol que valeu o lugar na decisão, marcado de cabeça pelo nanico Romário na dramática semifinal contra a Suécia. Na final contra a Itália, contudo, Jorginho não pôde dar maior contribuição, graças a uma contusão muscular que o tirou de campo logo aos 10 minutos de jogo. Cafu jogou o restante do tempo normal e a prorrogação, sem brilhar, mas ao menos Jorginho garantiu um lugar no poster do tetra.

Despediu-se da seleção em 1995, aos 31 anos, após um vice-campeonato na Copa América do Uruguai e dois amistosos no Oriente contra Coréia e Japão. Acabou ficando por lá, atraído por um contrato com o Kashima Antlers, equipe que já havia contado com outros ex-flamenguistas como Leonardo, Alcindo e o maior de todos, Zico. Acresceu à sua coleção particular mais dois títulos japoneses, em 1996 e 1998, e ainda a eleição como melhor jogador da temporada local em 1996.

Retornou ao Brasil em 1999, contratado pelo São Paulo. Aos 34 anos, já havia abandonado a lateral e fixado-se no meio-campo. Após um ano de Morumbi, em uma temporada sem títulos e dramatizada por duas eliminações em semifinais pelo arquirrival Corinthians (no Paulista e no Brasileiro), voltou ao seu Rio de Janeiro, mas agora para defender as cores vascaínas.

Contundiu-se logo na chegada e quase não atuou no Mundial da FIFA (vice-campeão, novamente com uma derrota para o fortíssimo Corinthians da Hicks Muse), mas voltou em tempo de conquistar a esquecível e desorganizada Copa João Havelange (o Brasileiro de 2000) e a Copa Mercosul, em inacreditável virada contra o Palmeiras no jogo final. Despediu-se de São Januário antes do final de 2001, devido a desavenças com o truculento Eurico Miranda, motivadas pelos já tradicionais atrasos de salário do clube.

Foi para o Fluminense em 2002, mas pouco jogou. Aos 37 anos e já sem o fôlego de antigamente, despediu-se dos campos, sem maior pompa. Uniu-se ao antigo parceiro de Flamengo e seleção Bebeto em projetos de empresariamento e parcerias extracampo, primeiro no Goiânia e, agora, no América. Jorginho chegou ao alvirrubro em 2005, desejando ajudar o clube que o projetou para o mundo do futebol e há anos encontrava-se às moscas, abandonado administrativamente, corroído pelas dívidas e decadente tecnicamente, havendo perdido terreno para equipes modestas como Americano e Volta Redonda. Para tanto, vem acumulando as funções de técnico e manager.

Trazendo consigo veteranos desacreditados como Robert e Valber, e promessas como Cris e Guerra, Jorginho está devolvendo ao América a auto-estima perdida nas últimas décadas. Até já se arrisca em uma campanha polêmica: evangélico fervoroso, quer substituir a mascote do clube, substituindo o tradicional diabo por uma águia. Simbolismos à parte, a expectativa é que Jorginho conquiste fora dos gramados as mesmas glórias que obteve dentro deles. Mas isso só o tempo poderá dizer.

Foto: SambaFoot