segunda-feira, junho 21, 2010

Os 23 da Copa (X) - Kaká: a esperança de inspiração

Um tolo acidente quase interrompeu no nascedouro a carreira de um dos mais talentosos jogadores brasileiros da atualidade. Em outubro de 2000, apenas três anos após iniciar nas categorias de base do São Paulo, o jovem Cacá (era assim que a imprensa escrevia na época), então com 18 anos, curtia uma folga na cidade goiana de Caldas Novas, mundialmente famosa por suas águas termais. Ao mergulhar de mau jeito, o rapaz bateu a cabeça no fundo da piscina, lesionando gravemente a espinha. Milagrosamente, escapou de perder todos os movimentos do corpo.

O episódio pode não ter tido maiores conseqüências, mas lhe custou a vaga de titular na Copa São Paulo de Juniores, no ano seguinte. O jovem alto e imberbe no banco de reservas não atraía tanto a atenção da imprensa, mais interessada nos movimentos de outras promessas do Tricolor, como Harisson, Oliveira e Renatinho. Ironicamente, nenhum deles, especialmente os dois últimos, chegou perto do sucesso do tal reserva...

Às vésperas de um clássico contra o Santos, pelo Paulistão, o técnico Oswaldo Alvarez precisou de jogadores para completar a equipe. E socorreu-se aos juniores: Renatinho e Harisson atuaram como titulares, e Cacá foi para o banco, mais como um quebra-galho. Mas começou aí sua trajetória de sucesso: substituindo Harisson no segundo tempo, em um de seus primeiros lances marcou um belo gol de cabeça, lance fundamental na vitória por 4 x 2.

Mas a explosão de fato viria alguns dias depois. Na partida decisiva do Rio-São Paulo, o Tricolor perdia no Morumbi para o Botafogo, por 1 x 0, diante de mais de 70 mil torcedores. O resultado em si não trazia preocupação, afinal o São Paulo havia conseguido uma grande vantagem goleando por 4 x 1 em pleno Maracanã na partida de ida. Mas a idéia de ter a faixa carimbada incomodava. Até que Cacá, novamente entrando na segunda etapa, virou a partida com dois gols em apenas três minutos, um deles magistral, entortando o zagueiro Váldson. O São Paulo conquistava um título inédito e o jovem meia tornava-se astro da noite para o dia.

Logo o assédio tornou-se avassalador. E o garoto logo aproveitou para fazer um pedido à imprensa: que seu apelido fosse escrito com dois “k’s”, ou seja, Kaká. Um pedido algo estranho, mas atendido de imediato. E a cada vez mais freqüente exposição na mídia logo o tornou alvo não apenas da torcida, como também das adolescentes, encantadas por outros atributos do atleta...

Após boas participações no Paulistão e no Brasileiro, bem como no Mundial Sub-20 da Argentina, a sonhada chance de vestir a camisa amarela principal veio em 2002, poucos meses antes da Copa. Kaká mostrou bom futebol nos amistosos, contou com a sorte (o concorrente Djalminha foi cortado à última hora por problemas disciplinares) e garantiu uma vaga no grupo que iria à Coréia do Sul e Japão. A exemplo do Ronaldo de 1994, Kaká teria no Mundial uma espécie de “vestibular”, visando ganhar experiência entre os reservas, acostumando-se ao ambiente da Seleção para firmar-se futuramente.

Teve apenas uma oportunidade de atuar na Copa, atuando alguns poucos minutos na goleada de 5 x 2 sobre a Costa Rica. Uma participação discreta. Após comemorar o pentacampeonato e retornar ao São Paulo, fez um Brasileiro excepcional e o clube ficou com o primeiro lugar disparado na fase de classificação. Porém, a eliminação para o Santos de Robinho e Diego trouxe a crise para a equipe, acusada de “pipocar” na hora mais decisiva.

No ano seguinte, os fracassos tricolores continuaram. Impaciente e desesperada, parte da torcida são-paulina (praticamente toda ela composta por uma organizada famosa por seus brutais atos de violência) passou a perseguir Kaká, jogando sobre ele a responsabilidade pelos fracassos. Tal barbaridade contribuiu em muito para a prematura saída do craque, vendido ao Milan em julho daquele mesmo ano por quase módicos 8,5 milhões de dólares.

Kaká chegou ao time rossonero mais como uma aposta para o futuro, mas surpreendeu os italianos. Cheio de disposição, ganhou a vaga de titular já na pré-temporada de 2003/04, barrando os medalhões Rivaldo e Rui Costa. O craque do Mundial de 2002 também acabaria barrado pelo garoto “abusado” na Seleção. Kaká terminou 2003 titular absoluto da Seleção, agora sob o comando de Parreira, e também do Milan.

Terminou a temporada em alta, campeão nacional e eleito o melhor jogador da competição. Foi dele também toda a jogada que resultou no gol do título, marcado por Shevchenko na partida decisiva diante da Roma. A essa altura, os 8,5 milhões pagos por seu passe já eram definitivamente preço de banana.

Nas temporadas seguintes, Kaká firmou-se definitivamente como titular da Seleção Brasileira, revelando-se um dos jogadores mais regulares da equipe e mesmo se sacrificando na marcação para que Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Adriano pudessem brilhar mais. No Milan, apesar de decepções como os dois vices italianos e a inacreditável perda da Champions League de 2004/05 para o Liverpool, seu prestígio seguia igualmente intacto.

Contudo, não escapou da mediocridade que acometeu toda a Seleção no Mundial da Alemanha. Após uma atuação regular e um belo gol na estreia diante da Croácia, pouco fez de relevante nas partidas seguintes. Isso até mesmo lhe custou uma suposta perda da posição de titular no início da "segunda Era Dunga": o ex-volante e agora treinador o deixou no banco em um de seus primeiros amistosos no comando da equipe, mas foi obrigado a ver o meia entrar no segundo tempo contra a Argentina e marcar um lindo gol, numa sensacional arrancada desde o campo de defesa que fechou o placar de 3 x 0 no Emirates Stadium de Londres.

Novamente indispensável ao grupo titular da Seleção por seu talento, atingiu seu auge no ano seguinte. Comandou a inesperada conquista de um Milan cheio de veteranos e mergulhado em má fase na Champions League e, depois, no Mundial de Clubes da Fifa. Arrematou o prêmio de melhor jogador do ano pela Fifa em dezembro de 2007, após a final no Japão.

Pouco depois, começou o calvário provocado pelas constantes lesões pubianas, que o tiraram de várias partidas importantes, não só pelo Milan como também pela Seleção. E, após anos de intenso assédio, ora real e concreto, ora apenas mero circo midiático, acabou negociado com o Real Madrid, por incríveis 65 milhões de euros, e um tanto a contragosto. Kaká nunca negou sua afinidade com o manto rossonero e manifestava o desejo de no futuro tornar-se capitão e uma "bandeira" da equipe; a diretoria capitaneada pelo magnata Silvio Berlusconi, contudo, não pareceu comungar da mesma opinião e, mesmo vendo o time envelhecido e decadente, não hesitou em vender sua maior estrela para garantir um suposto equilíbrio de caixa.

Em sua primeira temporada com a camisa merengue, seu desempenho acabou prejudicado pelos velhos problemas no púbis, acabando o brasileiro ofuscado pela outra contratação "galática" da pré-temporada, o português Cristiano Ronaldo. E o desempenho recente pela Seleção põe igualmente em dúvida sua capacidade de contribuir para o sonhado hexa na África do Sul. Após uma atuação esforçada, mas sem brilho, na estreia diante da Coreia do Norte, e partir do céu com duas assistências ao inferno de uma expulsão controvertida contra a Costa do Marfim, Kaká, na condição de maior e talvez único craque do grupo de Dunga, tem o desafio de provar que ainda poderá voltar a brilhar tão intensamente quanto há três temporadas.


Ricardo Izecson Santos Leite
meia
Brasília (DF), 22.04.1982
1,84 m
75 kg
Clubes: São Paulo (2001 a 2003), Milan-ITA (2003 a 2009) e Real Madrid-ESP (desde 2009).
Títulos: do Rio-São Paulo (2001) pelo São Paulo; italiano (2004), da Liga dos Campeões (2007), da Supercopa Européia (2003 e 2007) e mundial de clubes da FIFA (2007) pelo Milan; mundial (2002) e da Copa das Confederações (2005 e 2009) pela Seleção Brasileira
Jogos pela Seleção: 89 (33 gols)
Participação em Copas:
2002 (campeão) – 1 jogo, nenhum gol
2006 (5º lugar) – 5 jogos, 1 gol

Photo: AP Photo

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