domingo, julho 01, 2012

Sim, são doze


Eis o primeiro post de opinião (e não apenas meramente narrativo) do blog. Espero que apreciem, pois o tema escolhido para a inauguração é bastante polêmico.

Tão tradicional no futebol quanto o gol, a polêmica de arbitragem e a festa das torcidas, a provocação clubística é uma verdadeira instituição no esporte, e se renova com o tempo. Não há dúvida de que o advento da internet serviu, entre tantas outras coisas, também para lhe dar um novo fôlego.

As provocações também se atualizam com o tempo e os costumes, e novas “armas” são adotadas pelos torcedores para atingir os rivais. Mas uma em particular parece especialmente nova e não era vista, ao menos de forma ostensiva, nos, a esta altura, aparentemente longínquos tempos “pré-internet”: a contestação, a qualquer custo, da tradição do rival (“meu time é maior que o seu”, “seu time é pequeno”...).

E uma antiga e, até bem pouco tempo atrás, indiscutível, convenção do futebol brasileiro começa a ser perigosamente ameaçada nestes tempos modernos: a dos doze grandes times nacionais (os quatro maiores de SP – São Paulo, Corinthians, Palmeiras e Santos; os quatro do RJ – Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense; os dois de MG – Atlético e Cruzeiro; e os dois do RS – Grêmio e Internacional). O perigo, aqui, é que tal ideia começa, mesmo que ainda de forma tímida, a perigosamente ultrapassar as fronteiras das galhofas dos geraldinos (que, importante frisar, não têm o menor compromisso com qualquer outro clube que não o seu e, portanto, têm todo o direito e, porque não, a obrigação, de ser “sem noção”) e a invadir as opiniões faladas e escritas de jornalistas, blogueiros, comunicadores e outros “formadores de opinião” (em maior ou menor escala) em geral.

Como não podia deixar de ser, sofre mais quem está em momento de jejum de títulos ou vivendo épocas sucessivas de crise. Botafogo e Atlético-MG são as bolas da vez. Tendo cada um apenas um título nacional desde 1971 e vivendo de conquistas estaduais ultimamente apenas ocasionais (o que é ainda mais grave no caso do Galo Mineiro, que tem a rigor apenas um rival à altura em sua região), ambos os alvinegros são frequentemente apontados, inclusive por gente com alguma reputação na mídia, como exemplos de “novos times médios”, indignos da tradição que lhes é conferida.

Mas, como sabemos, provocação clubística e coerência não são exatamente próximas. O Fluminense, até outro dia colocado na mesma barca do Fogão e do Galo, subitamente deixou de ter sua tradição discutida após as conquistas da Copa do Brasil de 2007 e, especialmente, do Brasileiro de 2010. Até então, vinha tendo sua grandeza impiedosamente posta em cheque, mesmo tratando-se de uma agremiação com títulos nacionais e que era, até 2008, a maior vencedora em seu Estado.

Teriam meros dois títulos a propriedade mágica de tornar um clube médio um grande ou, então, de fazê-lo voltar a ser? Não.

Há ainda os que usam a Libertadores (indiscutivelmente a maior competição de nosso continente, mas ultimamente superestimada a ponto de vermos fatos ridículos como o Campeonato Brasileiro sendo tratado quase como uma mera seletiva para ela ou, pior, times escalando equipes reservas em clássicos porque três dias depois enfrentarão um semi-amador “esquadrão” boliviano ou equatoriano em casa) como uma “linha de corte”: só quem a ganhou é considerado grande. E isso atinge, em especial, o Corinthians, logo o time de segunda maior torcida do País, maior vencedor em seu Estadual e dono de cinco títulos nacionais. Se o hoje devolvido ao limbo (do qual dificilmente sairá novamente) São Caetano tivesse conseguido consumar a zebra na Libertadores de 2002, seria mais tradicional que o Corinthians hoje em dia? Não.

Torcedores de equipes “aspirantes a grandes” como Bahia, Coritiba, Atlético-PR, Sport e outras defendem vigorosamente que seus times nada devem a Atlético-MG e Botafogo, pelos motivos apontados acima. Não lhes cabe razão, por mais respeito que seus clubes mereçam. O Atlético-MG, por exemplo, pode ficar mais cinquenta anos no status quo atual (sem Brasileiros, títulos estaduais de vez em quando, raros craques e seguidas humilhações impostas pelo maior, e talvez único, rival); mas sua história, sua tradição, sua torcida, seu poder de mídia, os craques que já revelou (muitos com participação inclusive em Copas do Mundo), tudo isto sempre irá pô-lo num patamar acima do Bahia. Se o Tricolor de Aço realmente quiser se igualar ao Galo mineiro, deverá igualar nos próximos cinquenta anos tudo aquilo que o Alvinegro fez nos últimos cem. E o mesmo pode ser dito do Coritiba em relação ao Botafogo, do Sport em relação ao Fluminense, e assim por diante.

Também não são meros dez, quinze, vinte anos que seja, sem títulos de grande expressão que fazem um time “grande” virar “médio” ou “pequeno”. O Palmeiras não virou “Guarani da Capital” (de resto, um termo imbecil, até por também ridicularizar injustamente o Bugre, grande revelador de jogadores, campeão brasileiro e equipe indiscutivelmente tradicional, dentro das proporções que lhe são devidas) nestes últimos dez anos, bem como o Vasco não se tornou pequeno entre 1993 e 2011, ou, para ir ainda mais longe, o Corinthians (probabilíssimo novo campeão da Libertadores) entre 1954 e 1977. E a sanha pelo “fazer graça a qualquer custo” também não pode conceder a permissão de aviltar toda a história magnífica de nosso futebol menosprezando competições da importância dos campeonatos estaduais, logo eles que iniciaram a tradição de todos os nossos maiores clubes, e hoje em dia desprezados através de alcunhas como “Paulistinha” (termo ridiculamente criado por um decadente jornalista paulista e imediatamente copiado por seus asseclas), “ruralito” e outras. O mais curioso é que os mesmos que dizem desprezar ou atribuem apelidos depreciativos a uma competição são sempre os primeiros a mandarem um “Chupa!” a Deus e ao mundo quando a conquistam...

Então não há como um time deixar de ser grande? Claro que há, mas para isto serão necessárias muitas décadas de absoluta coadjuvância, rebaixamentos seguidos de longa permanência nas séries inferiores, diminuição drástica de torcedores. Não parece ser ainda um cenário visível num país onde, mesmo com os pontos corridos que, muitos apontam, serão o fator decisivo para a limitação das grandes equipes, tivemos seis dos doze maiores sendo campeões nos últimos nove anos, e outros três dos seis restantes brigando firmemente pelo título.

Portanto, senhores, temos sim doze, e não menos que doze, equipes no futebol brasileiro dignas da qualificação de grandes, e sem aspas. Pode-se até discutir que umas sejam "mais grandes" [sic] que outras, ou que umas sejam mais relevantes internacionalmente... ainda assim, todos são grandes. Equipes que fizeram por valer tal condição por seus títulos, pelas torcidas que acumularam ao longo de todos os anos, pela força de mídia traduzida pelo interesse que provocam mesmo em longos períodos de jejum ou crise, pelos grandes jogadores que ali passaram e ainda passam. E por algum tempo isto não deverá mudar.

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